Passando a perna, passando rapidamente

O processo de edição do livro do Bartolo Burtopelo foi intenso. Durante três semanas, online, desenhando e reescrevendo a história. Peter em São Paulo e Suryara em Belo Horizonte. E aqui escolhemos a abertura das páginas 14 e 15, como exemplo, para lembrar as discussões e decisões durante aquelas madrugadas!

antes…

suryara_bartolo_1415_OLD

e depois!

suryara_bartolo_1415_final

Antes de tudo havia uma narrativa, parte de um projeto de contos inspirados em bichos-papões de todo o mundo. O burtopelo é uma espécie campesina da região de Badajoz, ao sul da Estremadura, na Espanha. A avó materna de Peter nasceu lá, na cidade de Mérida. Essas informações determinaram o investimento visual dos cenários e dos personagens.

O primeiro desenho do menino mostrava-o alto e magro, um tipo esbelto vestindo um capote verde. Esse foi um lance de simplicidade e modernidade sugerido pela Suryara. É uma capa de chuva, um casaco? Por que lembra Wirt ou Chapeuzinho Vermelho? Aos poucos, o personagem foi ficando baixinho, ganhou cabelos espetados e, principalmente, sobrancelhas mais grossas. É que muita coisa em comum este menino possui com o Bartolo!

Após ter lido a história, meses antes, a imaginação de Suryara exigiu que o livro apresentasse uma abertura mais generosa: panorâmica. Os desenhos externos da casa foram feitos e o burtopelo logo apareceu em cima da telhado. (Ela queria avidamente desenhar os catioros Fuligem e Fumaça correndo atrás do menino por caminho longo!) Peter já havia retrabalhado o conto, por cinco ou seis vezes, e não resistiu em elaborar prontamente um roteiro para as cenas e a divisão de frases.

A cada prancha aclarada pela ilustração, a narrativa tomava um novo rumo. Era necessário editar palavra e imagem conjuntamente: as frases se aconchegando como linha e mancha gráfica, o desenho encaixando-se como sujeito, predicado e pontuação… A abertura de páginas que apresentamos aqui foi, para nós, o reconhecimento de nossas motivações para uma verdadeira parceria. Suryara morreu de medo da reação do Peter ao vestir o bicho-papão com um cueca amarela de bolinhas! Mas – dramaticamente – o problema era outro.

amplie as imagens

 

Comparando a primeira versão e a arte final, o leitor mais experimentado poderá entender muita coisa. Tanto palavra, quanto imagem precisavam dar espaço para encenarmos a leitura dentro deste pequeno livro ilustrado. A edição veio calar e apagar os excessos a fim de darmos relevo ao que realmente importa à trama e ao rolo do Bartolo com o menino.

Diminuir os elementos cênicos da ilustração para dar luz à ação principal. Retirar o menino da página evitando a redundância verbal vs. visual. Criar uma hipérbole com o barbante. Deslocar a mancha gráfica da posição central para fazê-la assumir uma função visiva como a mobília que víamos antes: redistribuindo as linhas, modificando o conteúdo expresso, por fim, escolhendo novo ponto para cortar a frase.

Então, o barbante adquiriu um protagonismo diferente. Visualmente ele está interrompido – ou estendido para fora da folha de papel. Verbalmente a última frase também está interrompida – puxando o leitor para fora da cena, para fora da casa. As duas estratégias apontam para um campo narrativo além do que desejamos contar e mostrar – o extracampo da imaginação.

Não é preciso ver nem descrever, quando se permite ao pequeno ouvinte e leitor vislumbrar. É uma operação rápida, acreditamos. Não temos como controlar as imagens que se vê na ausência de outras. Como era o nó que amarra o pé do menino? Até onde ele foi? Não sabemos… Ora, após um tempo enrolado na sonoridade que mastiga o pretérito perfeito (O monstro ficou em casa, terminou de comer, esperou e cansou de esperar.), o ato de virar a página vem duplamente representado, de forma apelativa, apressando a leitura.

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